As Melhores do "Vai..."

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Serra em transe

Fernando de Barros e Silva

Não resisto a uma provocação inicial: a blogosfera estaria em polvorosa e os serviços da ombudsman da Folha amanheceriam entupidos de mensagens indignadas contra o jornal se a notícia não dissesse respeito a Monica Serra, mas a Dilma Rousseff.

Isso dito, é claro que é polêmica a publicação do relato de uma ex-aluna da mulher de Serra dando conta de que ela (Monica), em sala de aula, revelou já ter praticado um aborto. Não se trata de uma notícia qualquer. Ela coloca em conflito o direito à informação, de um lado, e o direito à privacidade, de outro.

Haverá, neste caso, bons argumentos a favor e contra a publicação. Penso que a Folha acertou, por duas razões principais: com o aborto alçado a tópico da disputa eleitoral (e por obra de Serra), o episódio passou a envolver evidente interesse público. E, tão importante quanto isso: Monica Serra havia dito, há um mês, em campanha pelo marido no Rio, que Dilma era a favor de "matar criancinhas", numa clara alusão à posição da petista sobre o aborto. Ao assumir como sua, e nos termos que fez, a campanha do marido, Monica fixou para si as regras do jogo que estaria disposta a jogar.

O caso (tão desconfortável, tão cheio de implicações desagradáveis a quem o aborda) permite, ou exige, uma reflexão de ordem mais geral. O PT tem sido acusado, quase sempre com razão, de ser capaz de qualquer coisa para se manter no poder. Isso virou um mantra, a despeito da sua veracidade. Mas Serra não está se revelando, já faz tempo, alguém disposto a pagar qualquer preço para chegar ao poder?

Essa pantomima de devoção e carolice que se apossou da campanha tucana (e que nada tem a ver, como parece óbvio, com respeito efetivo pela religiosidade do povo) é a expressão patética de que tudo (biografia, valores, familiares) está sendo sacrificado em nome de uma ideia fixa. Serra sonha ser presidente. Mas se parece, cada vez mais, com o personagem de Paulo Autran em "Terra em Transe".

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

"DIZIAM QUE EU ERA REPRESENTANTE DO DIABO"

Fernando Santos - 25.out.1993/ Folhapress

A senadora Eva Blay em debate sobre aborto, em 1993

Eva Blay (PSDB-SP), suplente de Fernando Henrique Cardoso que assumiu o Senado em 1993, quando ele virou ministro do governo Itamar Franco, apresentou um projeto para legalizar a prática do aborto no Brasil. Ela relembra que quase foi agredida por grupos religiosos "extremamente violentos" e diz não acreditar que a discussão tenha tirado votos do PT na reta final do primeiro turno eleitoral.



Folha - A senhora apresentou um projeto para legalizar o aborto e ele foi arquivado. Como vê o assunto voltar ao centro dos debates no Brasil?
Eva Blay - Está havendo uma confusão muito grande. Este é um problema da sociedade civil, que tem múltiplas posições a respeito da questão. E infelizmente determinadas igrejas ficam pressionando por uma questão que é de saúde pública.

Como foram as pressões na época do seu projeto?
Convidei pessoas das mais diferentes posições para um debate: cientistas, políticos, várias igrejas. Em Brasília existe um movimento católico carismático que é extremamente violento. Eles invadiram o Senado gritando e carregando cartazes que me agrediam muito fortemente. Diziam que eu era representante do diabo, fizeram insinuações sobre a minha posição como judia. Fizeram uma missa em pleno corredor. E alguns funcionários -isso foi gravíssimo- do Senado que tinham posição contrária ao projeto gritavam e tentavam me agredir. Quem me salvou foi a [senadora] Benedita da Silva [PT-RJ].

Como?
A Benedita tinha ido lá para dar um depoimento terrível. Ela é contra, por suas convicções [Benedita é evangélica]. Mas disse que fez um aborto [quando jovem] porque não queria colocar no mundo mais uma criança para morrer de fome. Todo mundo chorou. Quando [os manifestantes] começaram a me cercar, a Benedita chamou a segurança. Minha filha, que estava lá assistindo, gritava: "Mãe, não responde, não responde!". Ela ficou apavorada.

A igreja interdita o debate?
Eu não sei se é a Igreja Católica como um todo ou se é uma facção. Pela minha experiência, eu acho que é pior com esse grupo carismático. Mas nós vivemos numa República. Eu tenho a referência do judaísmo, que não proíbe o aborto, principalmente quando se trata da saúde da mulher. Uma coisa é a descriminalização. A outra é "vamos fazer aborto livre". Olha, o poder da igreja é muito grande no Brasil. Até na Itália, que é um país católico, foi feito um plebiscito e o aborto hoje é legal.

O aborto tirou votos da candidata do PT?
Eu não acredito. Acho que foi só um argumento para enganar, sabe? Eles [partidários da candidatura de Dilma Rousseff] têm que explicar porque a Marina [Silva] subiu, né? E por que o Lula não conseguiu emplacar.
Fonte: folha de SP